Linha tênue entre a união estável e o namoro qualificado
Zygmunt Bauman em sua obra “Amor líquido” lançada no Brasil ainda no ano de 2004 antepôs os efeitos da evolução dos laços humanos, os quais, na atualidade, são marcados por uma fluidez exacerbada e uma incerteza constante que acabam produzindo vínculos afetivos frágeis.
É nesse cenário que surgem as infinitas possibilidades de relacionamentos, seja no ato de “ficar” ou de “namorar”, daí podem advir diversas consequências que, não estando esclarecidas entre as partes são passíveis de causar conflitos quando há uma quebra de expectativa por um dos parceiros.
O namoro qualificado, conhecido como aquele em que os parceiros realizam viagens juntos, frequentemente ficam por certo período de tempo na casa um do outro, onde há o envolvimento de famílias, trazendo consequentemente o reconhecimento perante a sociedade de que aquelas pessoas formam um “casal” não raras vezes é confundido com uma união estável.
O nosso ordenamento jurídico define união estável como o relacionamento em que as partes possuem convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com a intenção de constituir família. O referido instituto inserido no âmbito do direito de família determina que os parceiros tenham intenção ATUAL de construir um seio familiar.
É nesse ponto que podemos estabelecer a principal diferença com o namoro qualificado, vez que neste há uma intenção FUTURA de constituir família.
Assim, como prevenir que futuramente frente a um término do relacionamento um dos parceiros não alegue que para ele tratava-se, em verdade, de uma união estável e que, portanto, os bens que foram adquiridos na constância da convivência entre as partes, devem ser partilhados?!
O contrato de namoro serve exatamente para tal finalidade. Apesar de não estar expressamente previsto no ordenamento jurídico brasileiro como um contrato típico, é amplamente adotado pelos estudiosos da matéria do direito de família como um instrumento para certificar e registrar a vontade atual do casal de não constituir família.
Para além da inequívoca intenção de não ter aquela relação entendida como união estável, é possível que as partes negociem diversas questões que podem ser motivo de conflito em um eventual término do relacionamento. A exemplo, é possível que o casal determine com quem irá ficar um animal doméstico, sendo passível de eleger um regime de convivência do animal e os parceiros; tem-se a possibilidade de que o casal previamente determine uma pessoa para buscar os pertences que ficaram na casa um do outro após o término; é igualmente possível que seja estipulada uma multa para aquele que infringir o dever de fidelidade.
Assim, à primeira vista, o contrato de namoro pode ser entendido como um excesso de burocracia arraigado de certa insensibilidade por aquele que o postula, no entanto, pensemos na situação em que há a compra de um imóvel por um dos parceiros durante o namoro e, futuramente, após o término, este é demandado pelo ex-parceiro para que haja o reconhecimento de que aquele relacionamento era em verdade uma união estável e que, portanto, o imóvel deverá ser partilhado entre ambos?
A existência de um contrato de namoro devidamente assinado por ambas as partes e por duas testemunhas, com o reconhecimento de autenticidade em cartório é um instrumento que será utilizado para a formação da convicção do juiz de que durante o relacionamento não havia intenção atual de constituir família.
É válido trazer à baila que estando presentes os requisitos da união estável, o contrato de namoro não servirá para desconstituí-la. Pensemos na situação em que há o compartilhamento integral de gastos, o reconhecimento da sociedade na formação de um “casal”, a existência de filhos, o esforço comum na construção de um patrimônio, todos esses fatores não poderão ser desconstituídos pelo contrato de namoro, uma vez que demonstram a intenção ATUAL do casal de construir um seio familiar.
Assim, na dúvida se o seu relacionamento possui características de um namoro qualificado ou de uma união estável, procure um profissional qualificado para preveni-lo de futuros embaraços.
BRUNA RODRIGUES DA SILVA
ADVOGADA OAB/RO 11.298
Bibliografia:
XAVIER, Marília Pedroso. Contrato de namoro: Amor líquido e direito de família mínimo. 2. Ed. – Belo Horizonte: Fórum, 2020.