A importância da arbitragem tributária

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Não é de hoje que defendo meios alternativos de solução de controvérsias [1] para redução do colossal contencioso tributário que temos no Brasil.

Uma pesquisa do Núcleo de Tributação do Insper publicada em julho de 2020 apontou que o contencioso tributário do Brasil alcança 73% do PIB Brasileiro [2], de acordo com dados de 2018. O volume é muito superior à média dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico — OCDE, bem como dos países da América Latina.

Como sabemos, são muitos os problemas do nosso sistema tributário. O diagnóstico difere de acordo com o enfoque dado pelo intérprete. Uns culpam a regressividade, outros a complexidade e por aí vai. Consequentemente, são inúmeras as sugestões de reforma tributária, a maioria delas com ênfase na tributação do consumo. No entanto, as alterações sugeridas nesses projetos não solucionarão o grave problema do contencioso tributário. Dessa pluralidade de propostas, sobressaem de modo unânime os desejos de simplificação, transparência, melhoria do ambiente de negócios e segurança jurídica.

Atualmente temos um cenário de incerteza, causado tanto pela imprevisível jurisprudência de nosso tribunais, quanto pelas alterações de critérios jurídicos da administração tributária. As chamadas “teses” tributárias demoram anos para ser decididas e, quando decididas, dão origem a novas controvérsias. Exemplo disso é a inconstitucionalidade do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, que implicará outras divergências entre o Fisco e os contribuintes: discussões administrativas sobre forma de apuração dos créditos, novas ações judiciais para exclusão de outros tributos cobrados “por dentro”, questionamentos quanto aos índices de correção monetária dos créditos e o momento de reconhecimento de receita. Enfim, a lista é longa.

O histórico da relação entre os contribuintes e o Fisco demonstra a falta de confiança, boa-fé e transparência. A generalização de comportamentos coloca-os em polos opostos. A administração enxerga os contribuintes como sonegadores contumazes e os contribuintes veem o Fisco como inimigo, como um sócio preguiçoso e mal intencionado. 

Todavia, não é essa a realidade. Certamente que há alguns contribuintes que agem intencionalmente de forma a lesar o erário, mas ouso dizer que a maioria tem dificuldades reais para interpretar a legislação tributária e atender todas as obrigações assessórias.

De outro lado, muitas vezes os contribuintes revoltam-se por pagar muito e receber pouco em troca. Nesse ponto, devemos lembrá-los que o pagamento de tributos é exigência mínima e indissociável de todas organizações sociais civilizadas, bem como do Estado democrático social de Direito preconizado no preâmbulo de nossa Constituição Federal. O destino do produto da arrecadação tributária deve respeitar as normas constitucionais, os interesses públicos e todos os princípios do artigo 37 da Constituição Federal. Para coibir o mal uso de recursos públicos, o cidadão deve denunciá-lo às instituições que têm poder de polícia, como o Ministério Público e a Polícia Federal.

Fisco e contribuintes não devem ser inimigos em combate, mas colaboradores para o desenvolvimento econômico do país. Para tanto, a Receita Federal do Brasil deveria dar ênfase em medidas educativas e divulgar informações tributárias e aduaneiras de forma transparente como preconiza seu Regimento Interno (Portaria 284/2020).

Um importante passo para mudança de postura seria a adoção de meios alternativos de solução de controvérsia.

Essa questão foi tratada no âmbito internacional no Projeto Base Erosion Profits Shifting — BEPS, da OCDE, Ação 14. O texto dos tratados para evitar a dupla tributação, em seu artigo 25, já previam um procedimento amigável entre os Estados signatários para resolver eventuais conflitos [3]. Contudo, a OCDE observou a necessidade de torná-los mais efetivo e recomentou a adoção da arbitragem.

A União Europeia também estabeleceu regras para solução de disputas tributárias mediante a arbitragem (Diretiva 2017/1852). A Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, França, Alemanha, Irlanda, Itália, Japão, Luxemburgo, Holanda, Nova Zelândia, Noruega, Polônia, Eslovênia, Espanha, Suécia, Suíça, Reino Unido e Estados Unidos da América já se comprometeram a implementar arbitragem para resolver os conflitos de direito tributário internacional (multilateral convention to implement tax treaty related measures to prevent base erosion and profit shifting — Action 15 BEPS).

Nos membros da OCDE o procedimento amigável e a arbitragem têm sido utilizados com sucesso para tratar de questões relativas a preços de transferência e qualificação de rendimentos. As disputas que envolvem preços de transferência, em geral, são maioria dos casos, demandam o dobro do tempo até a decisão final, exigem conhecimento técnico e envolvem informações confidenciais das empresas [4]. A arbitragem tributária revelou-se uma excelente alternativa para conferir celeridade e sigilo aos contribuintes.

Atualmente, há duas propostas para implementação da arbitragem tributária, cujas diretrizes resumimos abaixo: 

 PL 4.257/2019PL 4.257/2019
ObjetoExecução judicial garantida por dinheiro, fiança bancária ou seguro garantia.No curso da fiscalização (antes do lançamento) para interpretação e para quantificar créditos dos contribuintes decorrentes de decisões judiciais passadas em julgado.
LimiteCada árbitro só pode julgar um processo do mesmo grupo econômico por ano.3 árbitros qualificados, com titulação compatível.
ProcedimentoIncorpora-se à lei das execuções fiscais, no julgamento dos embargos à execução.Bastante detalhado, assemelha-se à arbitragem da Lei 9.307/96 e segue os moldes da OCDE e da Diretiva EU 2017/1852.
AnulaçãoSe divergente de precedentes vinculantes do STF e STJ.Nulidades do compromisso, impedimento do arbitro e comprovação de prevaricação, concussão ou corrupção passiva

Assim como a transação implementada pela Lei nº 13.988/2020, a arbitragem na esfera tributária será benéfica para a Administração Pública e para os contribuintes, por representar um método eficaz, célere e mais simples para conferir segurança jurídica na interpretação e aplicação das leis tributárias. Por isso, é de se comemorar o Projeto de Lei 4468/2020 da Senadora Daniella Ribeiro, que certamente representará para o contencioso tributário o mesmo avanço que tivemos com a arbitragem da Lei 9.307/96. Como se denota, os projetos não são excludentes, mas complementares. A implementação da arbitragem tributária pode ser um grande passo para a redução do contencioso.

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